sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Cartas a Sandra

Mais um autor com pelo menos um alter-ego. Vergílio Ferreira nunca ultrapassou a morte da mulher a quem tanto amava e passou a viver à espera do fim, como uma inevitabilidade, como fim previsto e até ansiado.
Paulo (alter-ego do autor) passa os últimos dias da sua velhice escrevendo cartas a Sandra, esposa há muito falecida, recordando a sua vida em comum bem como a sua relação com Xana, a filha que muito cedo abandonou a casa de família. É um testemunho pungente,  desesperado, de um homem apaixonado a quem faltou vida para desafiar a morte da mulher amada. Para Paulo o tempo terminara na morte de Sandra. Todavia, para além desse facto ficou o amor, este  perdurou para lá morte de Sandra, mas com uma dor pungente no coração, da qual o autor não mais se conseguiu afastar, ela permanece lá e vai cada dia ficando mais funda, mais cravada no seu coração. À procura de paz na memória de Sandra, Paulo encontra mais e mais sofrimento. Essa memória é sempre incompleta porque é por Sandra, por toda ela que Paulo clama. Pelo seu espírito, pelo seu amor mas também pelo seu corpo e pela sua vida. A melancolia com que escreve,  uma imensa solidão, um perpetuar da falta que Sandra lhe faz, ele não sabe viver sem ela, vive para o amor que ainda mora dentro dele e que o vai alimentando a tortura, no mar de extrema solidão que se tornou a vida de Paulo.Cartas a Sandra constitui, por outro lado, um documento importantíssimo para compreender a personalidade do autor, que vêm em  sequência ao romance auto-biográfico Para Sempre. As cartas, assinadas por Paulo,  são o retrato de uma vida sofrida pela perda dos pais na infância, os anos da universidade, a idade de toda a esperança e força , mais tarde o facto da filha ter tão cedo abandonado a casa paterna, e depois o trágico desaparecimento de Sandra.  O que ficou foi apenas a longa e dura solidão, que irá marcar de forma indelével o final da vida do autor.
O amor por Sandra irá acompanhá-lo até ao fim,  amor quase obsessivo, excessivo e demasiado sofrido, que é simultâneamente tortura e tábua à qual Vergílio/Paulo se agarra ainda à vida, apenas para recordar Sandra.

Vergílio é mesmo assim, muito intímo com a sua alma, com a sua capacidade metafísica que transcende tudo quanto nos deixou nos seus escritos. É como se nos víssemos ao espelho, tal a dor que sente, que sem querer sofremos com ele, e nos reconhecemos em cada palavra. Vergílio nunca tem medo de mostrar o que sente, a dor é tão forte, tão pungente que é como um grito de absoluta solidão. Ele está só, sem Sandra e com ele apenas as memórias desse amor que partiu e o deixou só.
O amor é mesmo assim, nós vivemos nele e para ele, bebemos do mesmo copo, olhamos a mesma paisagem,  e quando nos falta o objecto de amor, damos connosco perdidos num mar de tristeza e angústia, passamos a arrastar-nos na vida, esperando apenas que a vida termine e que o sofrimento termine. É isso que nos mostra Vergílio Ferreira, autor que leio e releio sem me cansar, com quem me identifico em muito do que sente e que tem reflexo em mim, “havia em ti divindade bastante para estar certo o que me doesse”…

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