quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Há muito que deixei aquela praia

O mar azul e branco e as luzidias
Pedras – O arfado espaço
Onde o que está lavado se relava
Para o rito do espanto e do começo
Onde sou a mim mesma devolvida
Em sal espuma e concha regressada
À praia inicial da minha vida.

De todos os cantos do mundo
Amo com um amor mais forte e mais profundo
Aquela praia extasiada e nua
Onde me uni ao mar, ao vento e à lua.
Há muito que deixei aquela praia
De grandes areais e grandes vagas
Mas sou eu ainda quem na brisa respira
E é por mim que espera cintilando a maré vaza.

Quando eu morrer voltarei para buscar
Os instantes que não vivi junto do mar.

Sophia de Mello Breyner Andresen

Aparição, de Vergílio Ferreira

" Pela última vez, durmo na casa do Alto. É uma noite sem lua mas com um céu vivo de estrelas. Mas a minha atenção prende-se à cidade, à planície. Para os lados da estrada de Viana descubro um espectáculo extraordinário que me alvoroça, que me fascina: numa vasta extensão de terreno, um incêndio lavra interminávelmente, iluminando a noite. É uma "queimada", suponho, o incêndio do restolho para a renovação da terra. Alinhadas pelos sulcos, as chamas avançam como um flagelo inexorável. E aos meus olhos saqueados é como se uma cidade ardesse, uma cidade fantástica, aberta de quarteirões, de praças, de sonhos. Cidade, minha cidade... Que a terra tenha razâo sobre ti, que essa força que mal sei te absorva, te revele em cinzas, tire delas outra fecundação e outro ignorado recomeço - que me importa? A minha vida é "a" vida, só existe o que sou: não se imagina quem se não é..
Acendo um cigarro, fico-me a olhar o incêndio.

Lembra-me imagens da guerra, de cidades bombardeadas. Alguém deve ir pegando o fogo por sectores, estabelecendo linhas de chamas que o vento vai impelindo. O campo arde vastamente, como uma destruição universal. Quase ouço o crepitar das chamas como o fervor final de uma inundação. Sinto-me só e nu, escapando ao desastre. Mas esta nudez que eu algum dia julguei possivelmente coberta pela compreensão dos outros, esta redução extrema às minhas raízes, esta solidão inicial de quem não pode esquecer a sua pobre condição é o sinal humilde e amigo de que à vida que me deram a não repudiei, de que cuidei dela, a não perdi, a levo comigo nesta viagem breve, a aceito ao meu olhar de fraternidade e perdão... A noite avança, a minha cidade arde sempre. Vou fundar outra noutro lado. Mas não sabia eu que ela devia arder? Acaso será possivel construir uma cidade como a imagino, a cidade do Homem? Acaso não dura ela em mim, no meu sonho, apenas porque a penso sem consequências, a imagino, a não vivo, lhe não exijo responsabilidades? Não o sei, não o sei...

Mas o que sei é que o homem deve construir o seu reino, achar o seu lugar na verdade da vida, da terra, dos astros, o que sei é que a morte não deve ter razão contra a vida nem os deuses voltar a tê-la contra os homens, o que sei é que esta evidência inicial nos espera no fim de todas as conquistas para que o ciclo se feche - o ciclo, a viagem mais perfeita."

O Mundo não se Fez para Pensarmos Nele

O meu olhar é nítido como um girassol.
Tenho o costume de andar pelas estradas
Olhando para a direita e para a esquerda,
E de, vez em quando olhando para trás...
E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
E eu sei dar por isso muito bem...

Sei ter o pasmo essencial
Que tem uma criança se, ao nascer,
Reparasse que nascera deveras...
Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do Mundo...

Creio no mundo como num malmequer,
Porque o vejo. Mas não penso nele
Porque pensar é não compreender ...

O Mundo não se fez para pensarmos nele
(Pensar é estar doente dos olhos) Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo...

Eu não tenho filosofia: tenho sentidos...
Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,
Mas porque a amo, e amo-a por isso,
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe por que ama, nem o que é amar ...
Amar é a eterna inocência,
E a única inocência não pensar...



Alberto Caeiro, in "O Guardador de Rebanhos - Poema II"

terça-feira, 30 de agosto de 2011

Coração das Trevas - Heart of Darkness de Joseph Conrad

Coração das Trevas - Heart of Darkness de Joseph Conrad


Quem foi Joseph Conrad

Conrad foi Jozef Teodór Konrad Korzeniowski, polaco por nascimento, britânico por escolha, e que se terá inspirado na sua própria viagem pelo rio Congo, em 1890, a bordo de uma navio a vapor, onde também ele trabalhou e teve contacto com a selva, a escuridão de uma África desconhecida e sombria, para escrever “ Heart of Darkness”.  No livro podemos comprovar as suas experiências.
Marlow também é inglês, como Conrad. E de uma forma subtil ele critica o colonialismo e o pouco valor da vida dos negros, tidos como escravos, mercadoria de troca, usados e explorados através da violência. Na página 28 e 29 do livro, descreve como esses negros eram acorrentados uns aos outros, tidos como criminosos e cujos elos das correntes balançam entre eles,  à medida que avançavam.
Heart of Darkness é um dos seus melhores livros, embora tenha outros com igual valor dos quais posso destacar, «Lord Jim», «Nostromo», «Youth», etc.
«Heart of Darkness» é uma narrativa de viagem e que provocou grande controvérsia aquando da sua publicação. Foi em 1902, bem no período imperialista colonial. Uns eram a favor de Conrad, outros contra e até o achavam racista e a favor do colonialismo.
A obra de Conrad é no entanto, e a meu ver, verdadeiramente anti-racista.
Ele usa uma linguagem que podia ser  a do  imperialismo colonial.  Mas como era polaco, antes de se aventurar a escrever numa língua que não a materna, estudou a língua inglesa por mais de 20 anos. Conrad usou da mestria dessa língua, com grande subtileza, mesmo no argumento, para fazer crítica ao imperialismo colonial. Tal mestria, como poucos os escritores de língua materna inglesa, o fizeram.
Não é fácil ler Joseph Conrad, ele usa a língua com preciosismo.
Quando descreve o desejo pelo marfim, cada vez mais marfim, não só de Kurtz, mas da própria companhia belga para quem este trabalhava, ele criticava de modo subtil, os colonizadores. Também nos mostra desse modo subtil, a pouca importância que a vida selvagem tinha, os animais (elefantes)  que eram abatidos, sem dó nem piedade,  para lhes cortarem as presas.para os colonizadores.
O livro: "Heart of darkness": ( a minha visão desta obra soberba!)

O livro que não tem a ver com a selva, mas sim com o “outrodentro de nós. No livro há a procura pela verdade, e termina com uma mentira (Marlow conta à noiva de Kurtz, que as suas últimas palavras, antes de morrer, tinham sido o seu nome, nós leitores, sabemos que não é verdade. Ele disse “o horror, o horror”.
A história é-nos contada na terceira pessoa, é Marlow que a conta, para os companheiros de viagem não na selva, mas subindo o Tamisa, perto de Londres. Dentro da narrativa há outra história, e esta é apenas uma das ambiguidades do livro, a contada por Marlow e a que se vai desenrolando com Marlow.
A narrativa é muito lenta e anda em círculos, é algo caótica (como a mente e a alma do homem).
Conrad usa de linguagem um pouco sórdida para prender o leitor, e o fazer quase agonizar na sua narrativa, as nuvens de mosquitos, a carne podre de hipopótamo, os negros estendidos, famintos, sequiosos acorrentados, doentes, a quem ninguém se sentia obrigado a cuidar, eram como coisas, como bestas que existiam apenas para carregar.
Heart of Darkness é uma narrativa de viagem, do capitão Marlow a bordo do Nellie, que parte para ir buscar marfim, mas na realidade seria para ir à procura de Kurtz. Este é sem dúvida a figura central da narrativa de Conrad que só conhecemos quase no final e por breves momentos.
Kurtz é um branco europeu, aventureiro, ao serviço de uma companhia belga, a mesma que contratou Marlow. Kurtz é o responsável por um “posto”, o mais avançado dentro das trevas da selva africana, acaba como leader de um grupo de nativos, estes facilitavam-lhe obtenção de marfim, mais do que era conseguido nos outros postos.
Conrad usa a natureza e o silêncio, a escuridão da selva, a paisagem da beira rio, territórios hostis, sombras, o ar pesado ou o nevoeiro, a sensação de impotência quando o barco não pode avançar, (estando todos num barco velho não podendo seguir viagem), o medo do desconhecido, da selva, dos nativos.
É como a descida à mente humana e ao medo e de como o meio ambiente pode amedrontar ou tranquilizar. O contexto promove certos comportamentos humanos.
É-nos sempre transmitido um ambiente pesado, húmido, misterioso, assustador.
Não é por acaso que Conrad nos deixa, a nós leitores, também na escuridão, as trevas são muitas vezes mencionadas, mas Conrad nunca as define, de modo a perpetuar o mistério.
Não sabemos onde a acção do livro se desenrola, nunca nos é dito que se passa em África. Temos essa quase certeza por pormenores que nos vão sendo dados.
O rio que sobe serpenteando com a forma de uma cobra, nas margens do rio, os nativos escuros e longílineos, o próprio marfim, que provém dos elefantes. Tudo nos remete a África e particularmente à região que se situa entre Moçambique e Angola, o Congo.
Esta obra reflecte bem o choque entre os colonizados e os colonizadores. Sendo a Companhia para quem Marlow trabalhava, belga, então só poderia ser o Congo que na época era propriedade privada do rei Leopold II. Também os crocodilos e hipopótamos, que tomavam, lado a lado, banho de sol nas margens do rio, são característicos de África.
Este Kurtz é-nos apenas dado a conhecer através do conhecimento de terceiros.  O encontro entre Marlow e Kurtz, é, no livro,  permanentemente adiado. Kurtz é como que uma voz.
Conrad usou o idealismo conservador, à boa maneira clássica, a ideia de herói solitário, que tem como companhia a própria solidão, e que simultâneamente, não tem escrúpulos, a obediência às instituições cegas e sem rosto, e o fascínio pelo desconhecido.
Conrad utiliza um crescendo de emoções,  sem no entanto  as nomear. O leitor é levado a sentir o ambiente sórdido, escuro, lento dos barcos a vapor que navegavam nas costas dos rios africanos, com as figuras longas e ensombradas dos indígenas, tidos como sub-humanos a quem ninguém cuidava ou alimentava, e cujo pagamento trocavam por contas de vidro coloridas...
O uso de metáforas para dar mais ênfase à escrita, o tal preciosismo que referi acima, usando palavras que apenas pessoas muito eruditas, usam.
África,  é não mais do que a alma humana, negra e tenebrosa, que pode ser destituída de todo o valor absoluto, a perda de identidade de um europeu que se deixa destruir moralmente, pela adoração que lhe é feita, pelo “outro”, o negro, a quem Conrad não dá um rosto, nem voz, é apenas uma sombra.
É como que uma viagem de introspecção à alma humana, tendo como cenário, a África colonizada por europeus sem escrúpulos.
Kurtz, ao entrar neste jogo com os nativos, perde-se e deixa-se venerar, idolatrar. Ele não conseguiu conter-se na sua desmedida ambição pelo marfim, e por querer ser superior, idolatrado quase como um deus. Foi e é um dos grandes pecados do ser humano e a História prova-o a cada instante.
Sem nos darmos conta, estamos quase tão fascinados por esta estranha personalidade como Marlow, que o vai buscar à selva, porque segundo a companhia belga, ele teria perdido a “lucidez”, lá no meio da selva africana.
Também o “horror” que Kurtz balbucia a Marlow, não nos é explicado. Mas pode ser muita coisa, e Conrad deixa-nos sem limites para podermos imaginar esse horror... o homem sentir-se perdido entre os “selvagens”, como se procurasse as origens de si próprio, o medo do desconhecido ou de se tornar também num “selvagem”, o limite entre a civilização e o estado natural do homem, outras culturas, outras possibilidades.
O horror de matar tantos animais para lhes extrair o marfim, quando sem as presas, os elefantes ficam sem defesa contra os predadores. O horror de não se considerar o “outro”, o indígena ou nativo, digno de ser considerado humano, e talvez Kurtz tenha chegado à conclusão de que era errado o modo como esses indígenas não eram cuidados, e sentisse o horror dessa “diferença”, ou indiferença.
Na opinião de Edward Said, Conrad usa personagens europeus (Kurtz e Marlow) para representarem o povo africano. Porque será através deles que nos vamos apercebendo da violência a que são sujeitos. E essa violência e sofrimento, faz com que Kurtz, à beira da morte, perceba esse “horror”. Mas Said critica Conrad, por não perceber que o imperialismo era puro domínio sobre “o outro”, e que os nativos deveriam ser livres e ter vida própria.Para Edward Said, Conrad tinha noção do imperialismo coloniale era dele partidário.
Com o barco parado sem poder navegar Marlowe inventa coisas para fazer, mas a sua mente não se separa de Kurtz. Está cada vez mais fascinado, e vai sempre tentando aprofundar esse conhecimento. No entanto, por mais que ouça falar dele, não consegue catalogá-lo numa ideia concreta.
À medida que vamos lendo, dá-nos sempre a sensação de algo, ou alguma coisa que está presente na narrativa. São as trevas, a escuridão, o nevoeiro. Por vezes temos a sensação de estarmos também nós, numa floresta densa e fechada, misteriosa, desconhecida. As trevas serão certamente uma maneira que Conrad teve de nos mostrar o que Kurtz afirma no final de vida, “o horror”, esse horror não é mais, a meu ver, do que o chamar a atenção para o modo como esses povos eram feitos escravos, eram maltratados, batidos, violentados, separados de suas famílias e eram caçados como se fossem animais selvagens e não seres humanos. Acorrentados, vendidos como mão-de-obra praticamente gratuita. Esse sim, é que foi "o horror", ao ponto que os seres humanos ditos educados, europeus, que se intitulavam os fundadores da civilização ocidental, puderam ir tão longe na bestialidade.
Marlow e Kurtz apenas se encontram quase no final do livro.
Kurtz ao chegar ao final da sua vida, depois de ter tido uma enorme ganância pelo marfim, verifica que não vai ter qualquer proveito dele, apercebe-se de tudo quanto fizera contra o seu semelhante, contra o “outro” desarmado, sem possibilidade de fuga,  perante o poder imperial do colonialismo e declara “O horror, o horror”.
Espero ter-lhe dado vontade de ler este romance incrivel, bem o retrato de uma época terrível, a grande colonização, que fizeram os povos europeus durante mais de quatro séculos.
Se tiver como nível da proficiência em inglês, aconselho-@ a ler no original, embora já haja algumas traduções aceitáveis. Pode também comprar os dois e ler em inglês e quando surgir uma dúvida, ir ver a tradução.
Maria

Quem são os verdadeiros piratas da Somália?

 O endereço do YouTube que coloquei acima, reporta a um documentário de cerca de 23 minutos, sobre "Quem são os verdadeiros piratas da Somália?"

Sobre este documentário, que me foi trazido à memória por alguém muito especial para mim, para que eu aqui escrevesse sobre ele, retrata a miséria de um país entregue a grupos rivais que querem a todo o custo assumir o poder. Um país à deriva, onde morrem milhares mas não apenas de fome, desinteria, cólera e demais doenças que no "Ocidente" têm vacinas, e são curáveis, mas que lá matam aos milhares.
Porque é que a Nato, os Estados Unidos, a União Europeia, e tantas outras organizações não fazem nada, para impedir o genocídio de milhares de crianças, jovens e mulheres? De milhares de rapazinhos que são roubados às suas famílias e são obrigados não a prostituir-se como noutros países de igual miséria, mas a guerrear como soldados não de palmo e meio, mas adultos???

Se  estiverem interessados, vejam o documentário, está em castelhano, mas percebe-se muito bem, mal o puserem a rodar, outros endereços  aparecem abaixo,  noutras línguas, inglês, francês etc.
Não deixem de assistir, por favor,  é por demais importante.

Sucintamente, noutro post depois poderei fazer um resumo do que se passa no famoso golfo de Adem, gostaria muito, apesar de estar a escrever neste blog sem perfil público que vos leve a mim, a minha área de formação é política, por isso estou á vontade para falar sobre este e outros assuntos.

Gostaria muito, dizia, que me contactassem e me dissessem o que acham desse flagelo que assola não apenas as costas da Somália, mas todo o corno de África e está a espalhar-se para sul e para as costas da Índia...vejam por favor, os verdadeiros piratas, não são  mesmo Somalis!!!

domingo, 28 de agosto de 2011

O que há em mim

O que há em mim é sobretudo cansaço -
Não disto nem daquilo,
Nem sequer de tudo ou de nada:
Cansaço assim mesmo, ele mesmo,
Cansaço.

A sutileza das sensações inúteis,
As paixões violentas por coisa nenhuma,
Os amores intensos por o suposto em alguém,
Essas coisas todas —
Essas e o que falta nelas eternamente —;
Tudo isso faz um cansaço,
Este cansaço,
Cansaço.

Há sem dúvida quem ame o infinito,
Há sem dúvida quem deseje o impossível,
Há sem dúvida quem não queira nada —
Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles:
Porque eu amo infinitamente o finito,
Porque eu desejo impossivelmente o possível,
Porque quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser,
Ou até se não puder ser...

E o resultado?
Para eles a vida vivida ou sonhada,
Para eles o sonho sonhado ou vivido,
Para eles a média entre tudo e nada, isto é, isto...
Para mim só um grande, um profundo,
E, ah com que felicidade infecundo, cansaço,
Um supremíssimo cansaço,
Íssimno, íssimo, íssimo,
Cansaço...


I am the escaped one,

I am the escaped one,
After I was born
They locked me up inside me
But I left.
My soul seeks me,
Through hills and valley,
I hope my soul
Never finds me.

           Fernando Pessoa


Para se ler Pessoa ou Caeiro seu heterónimo, temos de ouvir algo surreal, que nos transporte para outra dimensão, não aquela onde vegetamos e vivemos ansiando que a nossa vida mude, que a paisagem mude, que nos fartemos de nos procurar, antes  a outra, aquela onde  nos  possamos encontrar...

 oiçam...é belo demais!


O livro do Desassossego

"Leve, como uma coisa que começasse, a maresia da brisa pairou sobre o Tejo e espalhou-se sujamente pelos princípios da Baixa. Nauseava frescamente, num torpor frio de mar morto.
Senti a vida no estômago, e o olfacto tornou-se-me uma coisa por detrás dos olhos. Altas, pousavam em nada nuvens ralas, rolos, num cinzento a desmoronar-se para branco falso. A atmosfera era de uma ameaça de céu cobarde, como a de uma trovoada inaudível, feita de ar somente.
Havia estagnação no próprio voo das gaivotas; pareciam coisas mais leves que o ar, deixadas nele por alguém. Nada abafava. A tarde caía num desassossego nosso; o ar refrescava intermitentemente.
Pobres das esperanças que tenho tido, saídas da vida que tenho tido de ter! São como esta hora e este ar, névoas sem névoa, alinhavos rotos de tormenta falsa. Tenho vontade de gritar, para acabar com a paisagem e a meditação. Mas há maresia no meu propósito, e a baixa-mar em mim deixou descoberto o negrume lodoso que está ali fora e não vejo senão pelo cheiro.
Tanta inconsequência em querer bastar-me! Tanta consciência sarcástica das sensações supostas! Tanto enredo da alma com as sensações, dos pensamentos com o ar e o rio, para dizer que me dói a vida no olfacto e na consciência, para não saber dizer, como na frase simples e ampla do livro de Job, "Minha alma está cansada de minha vida!"
Bernardo Soares, heterónimo de Fernando Pessoa

Lema de vida

Mau grado os atropelos, as acusações, as mentiras e as trapaças que nos prega o destino cruel, o meu lema de vida  é:

"Mantenha seus pensamentos positivos, porque seus pensamentos tornam-se suas palavras. Mantenha suas palavras positivas, porque suas palavras tornam-se suas atitudes. Mantenha suas atitudes positivas, porque suas atitudes tornam-se seus hábitos. Mantenha seus hábitos positivos, porque seus hábitos tornam-se seus valores. Mantenha seus valores positivos, porque seus valores tornam-se seu destino."
Mahatma Gandhi

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Hoje

Hoje conheci o escritor e blogista, José Couto Nogueira...comprei o livro  "Pesquisa Sentimental" de que é autor e depois "apanhei-o" num local perto da livraria, ...ganhei um autógrafo. Adoro quando consigo um autógrafo do escritor que leio.

Este fim de semana, não há nada que me interesse, vou mergulhar com o Alex...já li três páginas, com a Delfina e demais personagens e saborear a bela escrita.
Depois, quando terminar, se não tiver que reler algumas partes mais saborosas como costumo fazer, quando gosto muito, para memorizar ad eternum...vos direi. Mas pela amostra das 3 páginas que li sôfregamente mal comprei, promete!!!


Até logo!

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Poemas de Alberto Caeiro, que tanto amo de paixão

Quando eu não te tinha
Amava a Natureza como um monge calmo a Cristo...
Agora amo a Natureza
Como um monge calmo à Virgem Maria,
Religiosamente, a meu modo, como dantes,
Mas de outra maneira mais comovida e próxima...
Vejo melhor os rios quando vou contigo
Pelos campos até à beira dos rios;
Sentado a teu lado reparando nas nuvens
Reparo nelas melhor —
Tu não me tiraste a Natureza...
Tu mudaste a Natureza...
Trouxeste-me a Natureza para o pé de mim,
Por tu existires, vejo-a melhor, mas a mesma,
Por tu me amares, amo-a do mesmo modo, mas mais,
Por tu me escolheres para te ter e te amar,
Os meus olhos fitaram-na mais demoradamente
Sobre todas as coisas.
Não me arrependo do que fui outrora
Porque ainda o sou.

Passei toda a noite, sem dormir, vendo, sem espaço, a figura dela,
E vendo-a sempre de maneiras diferente do que a encontro a ela,
Faço pensamentos com a recordação do que ela é quando me fala,
E em cada pensamento ela varia de acordo com a sua semelhança.
Amar é pensar.
E eu quase que me esqueço de sentir só de pensar nela.
Não sei bem o que quero, mesmo dela, e eu não penso senão nela.
Tenho uma grande distração animada.
Quando desejo encontrá-la
Quase que prefiro não a encontrar,
Para não ter que a deixar depois.
Não sei bem o que quero, nem quero saber o que quero. Quero só
Pensar nela.
Não peço nada a ninguém, nem a ela, senão pensar.
 

in «O Pastor Amoroso» de Alberto Caeiro

PS Parece feito para mim e falar de mim, já que sinto igual!!!

Agora que sinto amor

Agora que sinto amor
Tenho interesse no que cheira.
Nunca antes me interessou que uma flor tivesse cheiro.
Agora sinto o perfume das flores como se visse uma coisa nova.
Sei bem que elas cheiravam, como sei que existia.
São coisas que se sabem por fora.
Mas agora sei com a respiração da parte de trás da cabeça.
Hoje as flores sabem-me bem num paladar que se cheira.
Hoje às vezes acordo e cheiro antes de ver.
"O Pastor Amoroso”, Poemas Completos de Alberto Caeiro

Citação

"A VIDA É UMA PEÇA DE TEATRO QUE NÃO PERMITE ENSAIOS. POR ISSO, CANTE, CHORE, DANCE, RIA E VIVA INTENSAMENTE ANTES QUE A CORTINA SE FECHE E A PEÇA TERMINE SEM APLAUSOS." -
Charlie Chaplin

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

A Origem da Tragédia

Eurípedes transportara o espectador para o palco para lhe facilitar a compreensão do drama (...). Ora o «público não passa de uma palavra e não deve ser considerado de modo algum como um valor sempre homogéneo e constante. Porque haveria um artista de se julgar obrigado a submeter-se a um poder cuja força reside apenas no número? E, se pelo seu génio e pelas suas aspirações, se sente superior a cada um dos espectadores em particular, como lhe será possível ter mais respeito pela expressão comum de todas as capacidades que lhe são inferiores do que pelo espectador individual melhor dotado? Na verdade, nenhum artista grego tratou o público, com tanta arrogância e insolência, como fez o próprio Eurípedes, durante a sua longa vida (...).

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Sou um guardador de rebanhos

Sou um guardador de rebanhos.
O rebanho é os meus pensamentos
E os meus pensamentos são todos sensações.
Penso com os olhos e com os ouvidos
E com as mãos e os pés
E com o nariz e a boca.

Pensar numa flor é vê-la e cheirá-la
E comer um fruto é saber-lhe o sentido.

Por isso quando num dia de calor
Me sinto triste de gozá-lo tanto,
E me deito ao comprido na erva,
E fecho os olhos quentes,
Sinto todo o meu corpo deitado na realidade,
Sei da verdade e sou feliz.

                           Alberto Caeiro, heterónimo de Fernando Pessoa