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O primeiro pardal da primavera! É o ano que se inaugura com uma esperança mais jovem que nunca! Sobre
os campos húmidos e parcialmente despidos de neve, ouvem-se os lânguidos e argentinos gorjeios do azulão,
do pardal cantor e do tordo menor, como se tilintassem ao cair os últimos flocos do inverno. Num momento
desses o que representam histórias, cronologias, tradições e todas as revelações por escrito? Os arroios
cantam madrigais e hinos de Natal à primavera. O gavião do charco, voando rasante sobre o prado, já está em
busca da primeira vida que desperta no lodo. O som minguante da neve se derretendo invade todos os
pequenos vales, e num átomo o gelo se dissolve nos lagos. O capim flamejando pelas encostas parece o fogo da
primavera, — "et primitus oritur herba imbribus primoribus evocata" — como se a terra irradiasse um calor
interno para saudar o retorno do sol; não amarela, e sim verde, é a cor da sua chama; — é o símbolo da
perpétua juventude, a folha da gramínea, que feito uma longa fita verde brota da terra para o verão, na
verdade impedida pela geada, mas daí a pouco vai levantando a haste de feno do ano findo com o impulso da
vida nova sob suas raízes. Cresce com a mesma constância com que o arroio flui do chão. E com ele se
identifica a tal ponto que, nos adolescentes dias de Junho, quando secam os arroios, as folhas das gramíneas
os canalizam e por todo o ano os rebanhos bebem nesse perene rio verde, de onde o segador retira a tempo o
sustento deles no inverno. Do mesmo modo nossa vida humana não obstante feneça até suas raízes, ainda
assim lança sua verde haste para a eternidade.
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in Walden
Henry David Thoreau.