segunda-feira, 12 de setembro de 2011

PESQUISA SENTIMENTAL, de José Couto Nogueira

O que ficou da minha crítica inicial, feita em 29 de Agosto, depois da segunda leitura:


Tal como vos tinha dito, comprei o livro de José Couto Nogueira, "Pesquisa sentimental".
Li o livro quase de um sopro...sem reter todos os nomes das personagens que vão para além de Alexandre (o Alex), numa segunda leitura  já mais calma, as personagens mais importantes  desta história,  são a Delfina, a Isaura, a mulher de Alex, bem como a última mulher do romance, a Mariana. 
Depois desta minha segunda leitura, o que "ficou" em mim desta Pesquisa Sentimental (frase usada por Alex, para justificar o seu comportamento):  

Há um grupo de amigos, mas não lhes fixei o nome. Existem  muitas mulheres, que irão desfilando na incrível pesquisa feita por  Alex. Este procura o quê? Alex vive numa  permanente  busca da felicidade e de uma vida emocional e profissionalmente estáveis, enfim o que se chama um bom casamento, com alguma prosperidade e boa vida social.

O que é importante  no livro, é a procura de Alex, essa incessante busca pela felicidade.
As mulheres com quem se vai relacionando, a companhia de amigos e colegas de trabalho, numa enorme depravação noctívaga, são apenas acontecimentos necessários neste seu  percurso, na sua busca.
Alex  vive uma grande dualidade, se por um lado ele procura essa vida estável que poderia ter obtido com Isaura, com quem foi casado,  por outro lado, a depravação das suas saídas nocturnas, as idas a bares e a procura de sexo fácil sem compromisso. Mas também por estar só, quase num abandono de amor quando a Delfina desaparece de cena.

A dualidade de uma vida desregrada e sem valores sociais ou familiares,  em que as pessoas pouco ou nada escondem do físico e de si próprias, com facilidade de drogas, de álcool,  noitadas, sexo e mulheres fáceis, tudo se  mistura numa amalgama terrível,  e Alex apenas quer viver ao máximo,  essa depravação. O gozo físico e o abuso de tudo, coca, psicotrópicos, álcool, mulheres, tudo faz parte do carpe diem de Alex.

Este romance é diferente daqueles a que nos habituámos,  porque  é narrado por um homem, o José Couto Nogueira e a história que nos é contada é sobre outro homem, talvez um alter ego do próprio escritor, também ele casado e divorciado, no entanto não creio, ao contrário de outras críticas que li,  que tenha traços auto biográficos.

Este livro  é diferente,  em  primeiro lugar e na minha opinião, entenda-se,  está subjacente a influência de Henry Miller, neste "Pesquisa".  Creio que José Couto Nogueira leu Henry Miller muito jovem  e terá ficado encantado com esse  escritor, notando-se a influência de Miller,  no romance.  Quem leu Sexus e Plexus, sabe do que falo. Por outro lado é um homem que nos narra o que outro homem deseja, sente, vive,...e nós ao longo do livro verificamos que Alex sofre, até certo ponto, sofremos com ele.
Alex deseja uma vida com uma vida amorosa legítima e permanente, é isso que ele procura incessantemente ao longo do Pesquisa. Ele teve-o  com Isaura, com quem foi casado, só que o amor que sentia por ela não era o amor que Alex queria, ele queria sempre mais e diferente, creio mesmo que ele nem sabe bem o que quer.

Nas suas deambulações nocturnas vai tendo inúmeras experiências, na companhia dos seus amigos e colegas de trabalho, e acaba conhecendo Delfina.  
Delfina proporciona-lhe um prazer carnal que talvez não tivesse no casamento,  e Alex deixa-se levar pelo repentino sentimento, e por esse súbito desejo de viver com Delfina, uma dançarina , actriz e cantora, que o encantou logo num primeiro encontro.  E Alex vive Delfina até à exaustão.  Mas o que ele procura é a estabilidade de uma vida familiar mas com "a mulher" que o completará, o emprego estavel e uma boa vida social.
Essa é a vida que Alex ambiciona, com uma família estruturada e estável . Por outro lado, há o Alex predador, e com  Delfina ele sente-se livre, não há barreiras nem pudores. 

Alex  tem atitudes nobres, como quando decide assumir as despesas do apartamento onde vivia com Isaura, sua ex-mulher,  já que pelo divórcio é ela que fica com ele. Situação esta de pagamento de um apartamento pelo ex marido, só possível em determinadas profissões,  talvez por isso o autor quisesse fazer crítica social, a uma  sociedade que vive muito acima da média, mas sem regras nem lei.

Alex irá sofrer porque se julga mais uma vez apaixonado por Mariana , a filha de um rico empresário,  o Avelar Barbedo, que escorraça Alex porque o julga um oportunista à caça de fortuna fácil, à custa do seu nome e da sua fortuna.  Também  Mariana, não quer casar com ele,  a  ela só interessa o sexo, ela não precisa de ninguém, é independente e bem sucedida. Nem tão pouco precisa casar com Alex para ter posição social, ao contrário, seria ele a lucrar com esse casamento.  Ele perde-se  na pesquisa desse amor e dessa vida que procura e nós acabamos por ter pena dele.  Alexandre nunca é oco ou vazio, ele é  um homem só, e a solidão dói-lhe na alma.

O escritor   quis demonstrar essa diferença entre eles,  até na necessidade de  assistirem a filmes pornográficos.  Para Alexandre é apenas um passatempo, por não ter mais que fazer, para os outros o momento de masturbação.
E é através da pornografia assistida que Alexandre encontra Delfina, como livre mas não prostituta, como um ser diferente, irreverente e que por vezes assusta Alex com a sua crueza de linguagem.
Alex procura o ideal, mas o ideal é apenas uma definição, procura ideais nas mulheres com quem se cruza. Mas o ideal dele, é no fundo aquilo que o irá completar enquanto homem e não poderá ser qualquer pessoa, não apenas bonita e esbelta, mas inteligente e os seres inteligentes, por vezes comungam melhor espiritualmente do que fisicamente. Ele quer beleza física e mental, todos nós sabemos que a beleza física é éfemera...passa como um raio. Todos somos bonitos quando jovens, e depois o que fica é um aura dessa beleza, nuns, noutros apenas resquícios por a vida levou a beleza.

Numa primeira leitura ,  espantou -me  a facilidade com que Alex se apaixona, ele vai de uma para outra com uma facilidade incrível, um autêntico D. Juan.
Numa segunda leitura, já mudei de ideia, porque Alex vive na procura da sua felicidade, não importa o quanto isso lhe vai levar, em tempo e mulheres que conheça. O que lhe importa é encontrá-la e quando isso acontecer, ele vai parar.  

Alexandre é no fundo um puro, surpreende-se  e até se envergonha com as palavras "ordinárias" que  Delfina lhe sussurra no acto do amor,   com a facilidade com que ela, recém apresentada a ele, lhe  deu  prazer físico  num felacio, depois a disponibilidade desta para sexo a qualquer hora,  para ser exibida a amigos e conhecidos.
Essa Delfina é para Alexandre um ser ambíguo que o assusta e o encanta, há sempre a dualidade de sentimentos em guerra dentro de Alex. Ele sabe que ninguém aprovaria tal ligação, mas deixa-se levar pelo amor físico e pelo encanto que tem por Delfina, porque à sua maneira, também ela é pura, mas não no sentido real da palavra, de certa forma como ser livre e sem preconceitos.

Quando embrenhado nos seus pensamentos e quando regista no filofax as suas notas, ele próprio acha Delfina um pouco demais, como se esta não tivesse lei nem roque, sem limites, mas sem maldade, porque Delfina é uma sobrevivente e não uma depravada.

É isso que José Couto Nogueira nos demonstra, ela de certa forma é pura, porque não vê mal em nada, como se não existissem leis da sociedade e ela fosse apenas um cometa que trespassa essa sociedade de forma única.
Enfim, no final,  Alex fica só, sem mulher, vazio de amor, mas com desejo de continuar a “pesquisar”..a procurar "aquela" a "tal", que julga existir mas ainda não conheceu.

Esta  “Pesquisa Sentimental” escrita de forma leve, de leitura fácil e agradável, por vezes usando uma linguagem um pouco vernácula, mas que é importante no contexto em que se desenrola o romance, com bom dialogo,  é no fundo, prática corrente na nossa sociedade.
É talvez o melhor retrato da sociedade, não  apenas portuguesa, mas ocidental. O escritor usa a escrita com mestria, utilizando metáforas e cada personagem tem uma linguagem própria, nunca é igual, consoante a personalidade do personagem, assim  Couto Nogueira  lhe dá uma dicção própria.

A evidenciar a influência de Henry Miller, não apenas na escrita, mas também no conteúdo, a ausência de  contenções,  alguns pormenores que o autor poderia ter referido, como por exemplo uma qualquer conversa sobre Sida, sexo seguro,  uma doença gravíssima que matou milhões em apenas trinta anos, um flagelo do último quartel do século passado até à actualidade e  ainda a muita promiscuidade. Mas isso é apenas um pequeno senão em tão bela escrita, só passível de registo dadas as alarmantes notícias e registos de mortes.

Todos eles saltam de uma mulher para outra, e por isso é por demais evidente a exploração do feminino, que não tem outro meio de subsistência para sobreviver.
Acredito que também aqui, José Couto Nogueira quisesse mostrar a depravação de uma certa camada da nossa sociedade, que explora  só porque tem dinheiro e poder, assim, o escritor faz mais uma vez  crítica social.

Ao contrário do que tenho lido noutras críticas, a minha segunda leitura de algumas passagens que acho muito pertinentes, não me fez perder o encanto por Alex, mas fez-me sentir pena, porque ele vive numa solidão que dói, na absoluta pesquisa que faz da sua metade. Todos nós temos um pouco do Alex dentro de nós, um pouco da Isaura e até da Delfina...da Mariana.

No fundo José Couto Nogueira soube de forma ímpar, lidar com os personagens e dar-lhes, de uma forma extremamente criativa,  caracteristicas únicas  e essas são fruto das suas vivências. Ele observa o mundo ao seu redor, regista os comportamentos, os caracteres, e os rostos...Alexandre  procura sempre o rosto de quem ama no seu clímax, porque nesse momento há entrega total e é aí que transparece quem é quem...
Alexandre  vive um certo desencanto com a vida,   como se não houvesse futuro para ele, tudo tem de ser vivido no momento até à exaustão, de forma total.  E cada dia uma nova conquista,uma novo virar de página na incessante pesquisa sentimental, na busca pela felicidade que ainda não encontrou. essa relação estável,  a que o irá completar. E a pesquisa continua.

O livro é ainda, um feixe incrível ou melhor dizendo ele tem como que um tecido, que o autor vai tecendo, ele, José Couto Nogueira, dos escritores mais criativos que tenho lido nos últimos tempos, e volto a repetir, que me era em absoluto desconhecido, dizia, ele está subjacente nesse tecido. Ele não está exposto, nós temos de o encontrar. Olhando a fotografia do autor, na lombada da capa, encontramos o que eu encontrei no livro, um olhar firme, brilhante mas triste.  Não acredito como outras pessoas que já o tinham descoberto há mais tempo, que este livro seja auto biográfico, mas tem certamente muito do seu viver, quem sabe se da sua própria procura do cálice da felicidade...aquele que todos nós buscamos e muitos nunca encontram.  Mas é de uma criatividade que nos deixa estupefactos e para além disso demonstra um homem muito inteligente, vivido e conhecedor da sociedade que o rodeia, e que regista ao pormenor.
Tenho por hábito reler os livros que me falam à alma e este é  certamente um deles e garanto-vos que encontrei o José Couto Viana dentro dele, consegui como que acompanhar o seu compor da pintura final a cada estocada do pincel na tela, que foi compondo este belíssimo quadro. Que voltarei a reler, isso não tenham qualquer dúvida.

Recomendo o livro, quando mais não seja para nos encontrarmos nós também lá dentro, um pouco deste e daquele, porque no fundo acredito que José Couto Nogueira nos quer mostrar é que nós mortais, passamos o tempo do nosso percurso tão frágil e rápido, qual passagem de um meteorito em termos estelares, à procura da outra metade da nossa moeda...aquela que nos completa. Por vezes até podemos encontrá-la, mas também por vezes esse encontro já é tardio e apenas nos deixa a solidão, ainda mais profunda, mais triste. Porque a vida não se compadece,  os anos passam, nós envelhecemos e todos temos uma história, um percurso único, nem sempre a nossa metade, mesmo que encontrada, será o nosso final.
Espero que Alexandre encontre a sua, e possa ser feliz!!

Perguntando a José Couto Nogueira que me era absolutamente desconhecido e cuja escrita passei a adorar, para quando o quarto romance? Já está na forja? Esperemos que sim...mal posso esperar!


1 comentário:

  1. Maria, muito obrigado pelo seu comentário. São atitudes desta que fazem valer a pena escrever e compensam o esforço...
    Para responder à sua pergunta do final - o quarto livro está na cabeça, mas ainda muito pouco no papel. Não sou um autor prolixo, porque gasto muito tempo a viver.

    ResponderEliminar