terça-feira, 30 de agosto de 2011

Coração das Trevas - Heart of Darkness de Joseph Conrad

Coração das Trevas - Heart of Darkness de Joseph Conrad


Quem foi Joseph Conrad

Conrad foi Jozef Teodór Konrad Korzeniowski, polaco por nascimento, britânico por escolha, e que se terá inspirado na sua própria viagem pelo rio Congo, em 1890, a bordo de uma navio a vapor, onde também ele trabalhou e teve contacto com a selva, a escuridão de uma África desconhecida e sombria, para escrever “ Heart of Darkness”.  No livro podemos comprovar as suas experiências.
Marlow também é inglês, como Conrad. E de uma forma subtil ele critica o colonialismo e o pouco valor da vida dos negros, tidos como escravos, mercadoria de troca, usados e explorados através da violência. Na página 28 e 29 do livro, descreve como esses negros eram acorrentados uns aos outros, tidos como criminosos e cujos elos das correntes balançam entre eles,  à medida que avançavam.
Heart of Darkness é um dos seus melhores livros, embora tenha outros com igual valor dos quais posso destacar, «Lord Jim», «Nostromo», «Youth», etc.
«Heart of Darkness» é uma narrativa de viagem e que provocou grande controvérsia aquando da sua publicação. Foi em 1902, bem no período imperialista colonial. Uns eram a favor de Conrad, outros contra e até o achavam racista e a favor do colonialismo.
A obra de Conrad é no entanto, e a meu ver, verdadeiramente anti-racista.
Ele usa uma linguagem que podia ser  a do  imperialismo colonial.  Mas como era polaco, antes de se aventurar a escrever numa língua que não a materna, estudou a língua inglesa por mais de 20 anos. Conrad usou da mestria dessa língua, com grande subtileza, mesmo no argumento, para fazer crítica ao imperialismo colonial. Tal mestria, como poucos os escritores de língua materna inglesa, o fizeram.
Não é fácil ler Joseph Conrad, ele usa a língua com preciosismo.
Quando descreve o desejo pelo marfim, cada vez mais marfim, não só de Kurtz, mas da própria companhia belga para quem este trabalhava, ele criticava de modo subtil, os colonizadores. Também nos mostra desse modo subtil, a pouca importância que a vida selvagem tinha, os animais (elefantes)  que eram abatidos, sem dó nem piedade,  para lhes cortarem as presas.para os colonizadores.
O livro: "Heart of darkness": ( a minha visão desta obra soberba!)

O livro que não tem a ver com a selva, mas sim com o “outrodentro de nós. No livro há a procura pela verdade, e termina com uma mentira (Marlow conta à noiva de Kurtz, que as suas últimas palavras, antes de morrer, tinham sido o seu nome, nós leitores, sabemos que não é verdade. Ele disse “o horror, o horror”.
A história é-nos contada na terceira pessoa, é Marlow que a conta, para os companheiros de viagem não na selva, mas subindo o Tamisa, perto de Londres. Dentro da narrativa há outra história, e esta é apenas uma das ambiguidades do livro, a contada por Marlow e a que se vai desenrolando com Marlow.
A narrativa é muito lenta e anda em círculos, é algo caótica (como a mente e a alma do homem).
Conrad usa de linguagem um pouco sórdida para prender o leitor, e o fazer quase agonizar na sua narrativa, as nuvens de mosquitos, a carne podre de hipopótamo, os negros estendidos, famintos, sequiosos acorrentados, doentes, a quem ninguém se sentia obrigado a cuidar, eram como coisas, como bestas que existiam apenas para carregar.
Heart of Darkness é uma narrativa de viagem, do capitão Marlow a bordo do Nellie, que parte para ir buscar marfim, mas na realidade seria para ir à procura de Kurtz. Este é sem dúvida a figura central da narrativa de Conrad que só conhecemos quase no final e por breves momentos.
Kurtz é um branco europeu, aventureiro, ao serviço de uma companhia belga, a mesma que contratou Marlow. Kurtz é o responsável por um “posto”, o mais avançado dentro das trevas da selva africana, acaba como leader de um grupo de nativos, estes facilitavam-lhe obtenção de marfim, mais do que era conseguido nos outros postos.
Conrad usa a natureza e o silêncio, a escuridão da selva, a paisagem da beira rio, territórios hostis, sombras, o ar pesado ou o nevoeiro, a sensação de impotência quando o barco não pode avançar, (estando todos num barco velho não podendo seguir viagem), o medo do desconhecido, da selva, dos nativos.
É como a descida à mente humana e ao medo e de como o meio ambiente pode amedrontar ou tranquilizar. O contexto promove certos comportamentos humanos.
É-nos sempre transmitido um ambiente pesado, húmido, misterioso, assustador.
Não é por acaso que Conrad nos deixa, a nós leitores, também na escuridão, as trevas são muitas vezes mencionadas, mas Conrad nunca as define, de modo a perpetuar o mistério.
Não sabemos onde a acção do livro se desenrola, nunca nos é dito que se passa em África. Temos essa quase certeza por pormenores que nos vão sendo dados.
O rio que sobe serpenteando com a forma de uma cobra, nas margens do rio, os nativos escuros e longílineos, o próprio marfim, que provém dos elefantes. Tudo nos remete a África e particularmente à região que se situa entre Moçambique e Angola, o Congo.
Esta obra reflecte bem o choque entre os colonizados e os colonizadores. Sendo a Companhia para quem Marlow trabalhava, belga, então só poderia ser o Congo que na época era propriedade privada do rei Leopold II. Também os crocodilos e hipopótamos, que tomavam, lado a lado, banho de sol nas margens do rio, são característicos de África.
Este Kurtz é-nos apenas dado a conhecer através do conhecimento de terceiros.  O encontro entre Marlow e Kurtz, é, no livro,  permanentemente adiado. Kurtz é como que uma voz.
Conrad usou o idealismo conservador, à boa maneira clássica, a ideia de herói solitário, que tem como companhia a própria solidão, e que simultâneamente, não tem escrúpulos, a obediência às instituições cegas e sem rosto, e o fascínio pelo desconhecido.
Conrad utiliza um crescendo de emoções,  sem no entanto  as nomear. O leitor é levado a sentir o ambiente sórdido, escuro, lento dos barcos a vapor que navegavam nas costas dos rios africanos, com as figuras longas e ensombradas dos indígenas, tidos como sub-humanos a quem ninguém cuidava ou alimentava, e cujo pagamento trocavam por contas de vidro coloridas...
O uso de metáforas para dar mais ênfase à escrita, o tal preciosismo que referi acima, usando palavras que apenas pessoas muito eruditas, usam.
África,  é não mais do que a alma humana, negra e tenebrosa, que pode ser destituída de todo o valor absoluto, a perda de identidade de um europeu que se deixa destruir moralmente, pela adoração que lhe é feita, pelo “outro”, o negro, a quem Conrad não dá um rosto, nem voz, é apenas uma sombra.
É como que uma viagem de introspecção à alma humana, tendo como cenário, a África colonizada por europeus sem escrúpulos.
Kurtz, ao entrar neste jogo com os nativos, perde-se e deixa-se venerar, idolatrar. Ele não conseguiu conter-se na sua desmedida ambição pelo marfim, e por querer ser superior, idolatrado quase como um deus. Foi e é um dos grandes pecados do ser humano e a História prova-o a cada instante.
Sem nos darmos conta, estamos quase tão fascinados por esta estranha personalidade como Marlow, que o vai buscar à selva, porque segundo a companhia belga, ele teria perdido a “lucidez”, lá no meio da selva africana.
Também o “horror” que Kurtz balbucia a Marlow, não nos é explicado. Mas pode ser muita coisa, e Conrad deixa-nos sem limites para podermos imaginar esse horror... o homem sentir-se perdido entre os “selvagens”, como se procurasse as origens de si próprio, o medo do desconhecido ou de se tornar também num “selvagem”, o limite entre a civilização e o estado natural do homem, outras culturas, outras possibilidades.
O horror de matar tantos animais para lhes extrair o marfim, quando sem as presas, os elefantes ficam sem defesa contra os predadores. O horror de não se considerar o “outro”, o indígena ou nativo, digno de ser considerado humano, e talvez Kurtz tenha chegado à conclusão de que era errado o modo como esses indígenas não eram cuidados, e sentisse o horror dessa “diferença”, ou indiferença.
Na opinião de Edward Said, Conrad usa personagens europeus (Kurtz e Marlow) para representarem o povo africano. Porque será através deles que nos vamos apercebendo da violência a que são sujeitos. E essa violência e sofrimento, faz com que Kurtz, à beira da morte, perceba esse “horror”. Mas Said critica Conrad, por não perceber que o imperialismo era puro domínio sobre “o outro”, e que os nativos deveriam ser livres e ter vida própria.Para Edward Said, Conrad tinha noção do imperialismo coloniale era dele partidário.
Com o barco parado sem poder navegar Marlowe inventa coisas para fazer, mas a sua mente não se separa de Kurtz. Está cada vez mais fascinado, e vai sempre tentando aprofundar esse conhecimento. No entanto, por mais que ouça falar dele, não consegue catalogá-lo numa ideia concreta.
À medida que vamos lendo, dá-nos sempre a sensação de algo, ou alguma coisa que está presente na narrativa. São as trevas, a escuridão, o nevoeiro. Por vezes temos a sensação de estarmos também nós, numa floresta densa e fechada, misteriosa, desconhecida. As trevas serão certamente uma maneira que Conrad teve de nos mostrar o que Kurtz afirma no final de vida, “o horror”, esse horror não é mais, a meu ver, do que o chamar a atenção para o modo como esses povos eram feitos escravos, eram maltratados, batidos, violentados, separados de suas famílias e eram caçados como se fossem animais selvagens e não seres humanos. Acorrentados, vendidos como mão-de-obra praticamente gratuita. Esse sim, é que foi "o horror", ao ponto que os seres humanos ditos educados, europeus, que se intitulavam os fundadores da civilização ocidental, puderam ir tão longe na bestialidade.
Marlow e Kurtz apenas se encontram quase no final do livro.
Kurtz ao chegar ao final da sua vida, depois de ter tido uma enorme ganância pelo marfim, verifica que não vai ter qualquer proveito dele, apercebe-se de tudo quanto fizera contra o seu semelhante, contra o “outro” desarmado, sem possibilidade de fuga,  perante o poder imperial do colonialismo e declara “O horror, o horror”.
Espero ter-lhe dado vontade de ler este romance incrivel, bem o retrato de uma época terrível, a grande colonização, que fizeram os povos europeus durante mais de quatro séculos.
Se tiver como nível da proficiência em inglês, aconselho-@ a ler no original, embora já haja algumas traduções aceitáveis. Pode também comprar os dois e ler em inglês e quando surgir uma dúvida, ir ver a tradução.
Maria

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