sábado, 26 de novembro de 2011

um quarto, o mar ao fundo




um quarto, o mar ao fundo
e muito além
(transpostas as ondas)
a morna respiração da manhã
desabando sobre os campos
amei
lembro-me que amei
e a angústia de ter amado tanto
dói como um segredo revelado
que me devorem as lembranças
pois amei, sim
cada instante
amei tanto
que deixei minha alma estendida sobre a cama
sem ao menos perguntar
se haverias de querê-la presa,
junto à tua,
naquele quarto, o mar ao fundo.


Sergio Ornellas

sábado, 19 de novembro de 2011

Passei toda a noite, sem dormir


Passei toda a noite, sem dormir, vendo, sem espaço, a figura dela,
E vendo-a sempre de maneiras diferentes do que a encontro a ela.
Faço pensamentos com a recordação do que ela é quando me fala,
E em cada pensamento ela varia de acordo com a sua semelhança.
Amar é pensar.
E eu quase que me esqueço de sentir só de pensar nela.
Não sei bem o que quero, mesmo dela, e eu não penso senão nela.
Tenho uma grande distracção animada.
Quando desejo encontrá-la
Quase que prefiro não a encontrar,
Para não ter que a deixar depois.
Não sei bem o que quero, nem quero saber o que quero. Quero só Pensar nela.
Não peço nada a ninguém, nem a ela, senão pensar.
 
 
                                                          Alberto Caeiro
 

sábado, 5 de novembro de 2011

Uma catarse

Depois de tanto sol, de tanto calor, eis que chegou o friozinho, e a chuva. Mas não uma chuva qualquer, é semelhante a uma catarse dos céus, parece um dilúvio. Por vezes ao cair, essa chuva, ora persistente ora torrencial, dá a sensação que os céus se abriram e de lá jorram rios de água, que durante muito tempo ficou em suspenso,  em milhões de nuvens carregadinhas de vapor de água.

Por aqui, neste finisterra da Euroásia, já andavam a dizer que estávamos a entrar em seca só porque estivemos uns dois meses sem chuva, e daqui a meia dúzia de dias, vão ter de abrir as comportas das barragens para deixar esvair uns milhões de litros de água que vão assim inundar os campos e as vilas dos baixios.
Se me perguntam o que prefiro, o sol, o bom tempo, os dias em que a luz é tão forte que trespassa os ramos das árvores e nos deixa deslumbrados. Mas em tempo dela, é a chuva, mil vezes a chuva ao vento. Desse é que não gosto mesmo nada.
Parece que todo o mundo reclama algo do tempo, ora é a neve inesperada, como no Colorado, ou as chuvas que nos deixam com ruas inundadas, casas velhas que deixam passar água pelos telhados, ventos fortes que arrancam árvores centenárias, com troncos e raízes que não era suposto saírem assim da terra, tudo está às avessas...será que sou apenas eu a notar ou será que tudo está a mudar demasiado depressa?
É o futuro que nos espera, os problemas e sequelas do brutal aquecimento global...e isto é apenas o início.