quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Serão eles os novos hippies?



 A salvação pelos novos hippies ou o desejo de preservar o passado num futuro mais consciente e ecológico?

Hoje vivemos numa sociedade que perdeu, em parte, o apego ao que era do passado, ao acervo de cultura, tradição, costumes. Muitas pessoas que adquirem um certo patamar económico vivem como se pertencessem a uma sociedade estereotipada, formatada, quadrada... 
A criatividade para esse estilo de pessoas, muitos deles executivos de primeira nata, grandes economistas, financeiros, políticos etc, que não têm qualquer apego às vivências do passado, como se estas os pudessem contagiar. 

Esses por um lado, por outro e absolutamente ao contrário destes, estão os muito jovens, mas e é preciso que se diga, os antigos hippies, ou os que estão decepcionados pela sociedade de hoje,  que querem romper com essa estereotipação e vivem obcecados por coisas antigas, em lutas pelo valor da terra, pelo amor  ao  legado de avós, tios, etc, preservando até  coisas que practicamente não têm valor comercial...

Serão  estes que querem salvar o mundo, regenerar o planeta, viver ecológico,  plantar o que comem, fazer amigos e partilhar com estes, comida, amizade verdadeira e pura e um futuro bem mais "verde" ou "eco" como referem. No fundo, o conceito do novo rural ou novo hippie.






Há  assim,  duas gerações, separadas, quase na mesma geração....  Os  que se intitulam de uma geração yuppie, que estão no meio, entre os nascidos na geração hippie ( o meu caso) outros os jovens de hoje, que são revivalistas, que amam  com paixão, rendas, crochets, os fatos dos anos 50 e 60 do século  passado e que estão a mudar a moda de se ver o mundo. 

Muitas jovens e até  jovens ( homens) que se dedicam  a coisas anteriormente  apenas de dedicação feminina e bem recatada.  Falo de costuras, de moda urbana e não urbana, de verdadeiros artistas plásticos que fazem de roupa velha, maravilhosos quilts, que são verdadeiras pinturas. 
Falo de tantos jovens que  dedicam parte da sua vida a cultivar um jardim comestível, fazer arte através dos "lavores" e que ainda ganham dinheiro com  isso.

Daí o sucesso de tantos e tantos que proliferam por essa blogosfera e apenas cito  alguns, Mollie Makes, Saídos da Concha, Attic 24 , IDA Interior Lyfestyle e tantos outros. 

Muitos provam que  é essa a geração que pode salvar-nos de um fim terrível, o da indiferença, da solidão, mas não só, eles são por si só, o espelho ou a base do que podemos chamar, o novo conceito de família, já que se agregam, muitos deles em  comunidades, praticando o bem pelo planeta e vivendo com muito menos, mas muito mais felizes. 
Eles ensinam a fazer comida, a costurar, ensinam a cultivar sem uso de químicos, partilham vivências, momentos, como se por um lado vivessem de forma mais sustentável e ecológica, por outro consideram a blogosfera, quase como família, a quem comentam e contam o seu dia a dia, as suas vivências e experiências.

Por vezes com muito pouco, decoram as suas casas de forma alegre, contagiante e criativa. Das folhas de revista a servir de papel de parede, aos antigos posters de paisagens, que se usaram nos anos setenta, as muitas cores juntas como um arco-íris, as almofadas e pouffs que muitas vezes substituem os sofás, e servem para sentar muitos amigos em alegres e amenas conversas  à volta de uma qualquer refeição partilhada por todos. 

Os quartos  com camas velhas, já nem se trata de patine, mas de falta de tinta, velhas mesmo de uso, combinadas com roupas das avós que estavam guardadas nos baús numa   antiga casa de  família e que tantas vezes não lhes dava  valor algum, misturados com colchas que estas jovens fazem, em crochets multi coloridos, combinados com aproveitamentos de tecidos que transformam em lindíssimos tapetes. Tudo com um toque de modernidade, inconfundível. Não minimalista, não revivalista, mas um estilo próprio, forte e afirmativo, que emana deste movimento.

É uma nova geração,que está a dar valor a coisas que outras gerações não deram.
Se pensarmos que durante anos, a única forma que tinham  as mulheres para expressar a sua criatividade era através dos bordados, rendas  e  crochets, muitas vezes impedidas pelos maridos e demais família,  de mostrarem esses dotes  fora de casa, percebemos o que está a acontecer.



 Não é apenas o usar as coisas tradicionais, são os netos e os bisnetos que  estão a mostrar o que os seus ascendentes usavam e produziam, com que criatividade abafada durante gerações por sociedades machistas, tivesse finalmente, a possibilidade de emergir, com valor real, o da arte.




Mas não é tão somente um problema de terem muito menos, do regresso à agricultura de subsistência, é também isso, mas é muito mais, é uma nova forma de pensar, um novo futuro que  pegando em  momentos do passado, abre um novo caminho, onde o desperdício practicamente não existe, e a velha máxima de "usar e deitar fora" é posta, em absoluto, de parte, porque segundo eles " tudo pode ser reciclado" até as mentes.... 

Voltarei a este assunto, que devo dizer, me está a encantar...quem dera pudessem os jovens todos, de uma assentada, e até os menos jovens, pensar assim. 
 O mundo seria tão melhor para se viver, tão mais "friendly" e menos poluído.


Imagens : via Web e novos rurais

segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Menino pequeno, perdido no mundo




“Menino pequeno, perdido no mundo
sozinho e cercado de imagem e ilusão,
vagando, vagando sem número e data,
descobre a verdade no meio do chão.
Descobre na terra, de olhos pro céu,
pequeno menino perdido e sozinho,
reinados de estrelas, de sóis e de flores,
poemas ficados na cruz de um caminho.
Menino pequeno, sozinho encontrou
prazer escondido de olhar e sonhar
viver e cantar, beijar e reinar,
deitar e chorar, num berço de ar
Menino tão só, perdido e pequeno
que veio do céu, que acaba no mar,
com um sopro retira, do chão, essa gente
e ensina que é fácil ter asa e voar”

In " O Pequeno Príncipe"

Antoine de Saint-Exupéry



sexta-feira, 21 de novembro de 2014

A hora do cansaço


As coisas que amamos,
as pessoas que amamos,
são eternas até certo ponto.
Duram o infinito variável
no limite de nosso poder
de respirar a eternidade.

Pensá-las é pensar que não acabam nunca,
dar-lhes moldura de granito.
De outra matéria se tornam, absoluta,
numa outra (maior) realidade.

Começam a esmaecer quando nos cansamos,
e todos nos cansamos, por um ou outro itinerário,
de aspirar a resina do eterno.
Já não pretendemos que sejam imperecíveis.
Restituímos cada ser e coisa à condição precária,
rebaixamos o amor ao estado de utilidade.

Do sonho de eterno fica esse gozo acre

na boca ou na mente, sei lá, talvez no ar.




Carlos Drummond de Andrade

quinta-feira, 20 de novembro de 2014

Outono






Tarde pintada
Por não sei que pintor.
Nunca vi tanta cor
Tão colorida!
Se é de morte ou de vida,
Não é comigo.
Eu, simplesmente, digo
Que há fantasia
Neste dia,
Que o mundo me parece
Vestido por ciganas adivinhas,
E que gosto de o ver, e me apetece
Ter folhas, como as vinhas.

                                  Miguel Torga

quarta-feira, 19 de novembro de 2014

Canção de Outono






Perdoa-me, folha seca, 
não posso cuidar de ti.
Vim para amar neste mundo, 
e até do amor me perdi.
De que serviu tecer flores
pelas areias do chão 
se havia gente dormindo 
sobre o próprio coração?

E não pude levantá-la!
Choro pelo que não fiz.
E pela minha fraqueza
é que sou triste e infeliz.
Perdoa-me, folha seca!
Meus olhos sem força estão
velando e rogando aqueles 
que não se levantarão...

Tu és folha de outono 
voante pelo jardim.
Deixo-te a minha saudade
- a melhor parte de mim.
E vou por este caminho,
certa de que tudo é vão.
Que tudo é menos que o vento,
menos que as folhas do chão...



Cecília Meireles, Via Pensador

terça-feira, 18 de novembro de 2014

Canção de Outono







No entardecer da terra,

O sopro do longo outono
Amareleceu o chão.
Um vago vento erra,
Como um sonho mau num sono,
Na lívida solidão.

Soergue as folhas, e pousa
As folhas volve e revolve
Esvai-se ainda outra vez.
Mas a folha não repousa
E o vento lívido volve
E expira na lividez.

Eu já não sou quem era;
O que eu sonhei, morri-o;
E mesmo o que hoje sou
Amanhã direi: quem dera
Volver a sê-lo! mais frio.
O vento vago voltou.

1910
Fernando Pessoa (1888-1935)

Encontrei aqui : http://dispersamente.blogspot.pt/2010/

segunda-feira, 17 de novembro de 2014

Pássaro Azul






há um pássaro azul no meu coração
que quer sair
mas eu sou demasiado duro para ele,
e digo, fica aí dentro,
não vou deixar
ninguém ver-te.

há um pássaro azul no meu coração
que quer sair
mas eu despejo whisky para cima dele
e inalo fumo de cigarros
e as putas e os empregados de bar
e os funcionários da mercearia
nunca saberão
que ele se encontra
lá dentro.

há um pássaro azul no meu coração
que quer sair
mas eu sou demasiado duro para ele,
e digo, fica escondido,
queres arruinar-me?
queres foder-me o
meu trabalho?
queres arruinar
as minhas vendas de livros
na Europa?

há um pássaro azul no meu coração
que quer sair
mas eu sou demasiado esperto,
só o deixo sair à noite
por vezes
quando todos estão a dormir.
digo-lhe, eu sei que estás aí,
por isso
não estejas triste.
depois,
coloco-o de volta,
mas ele canta um pouco lá dentro,
não o deixei morrer de todo
e dormimos juntos
assim
com o nosso
pacto secreto
e é bom o suficiente
para fazer um homem chorar,
mas eu não choro,
e tu?

(Charles Bukowski)

domingo, 16 de novembro de 2014

Cada um se vê à sua maneira







Cada dia me dou conta de que o meu caminho tem sido penoso, mas no meio de tanta farpa, de tanta pedra que me tem magoado pés, canelas, alma, coração, também  em simultâneo, tanta coisa boa me tem acontecido. Nem sei se  o saldo não será mais para o positivo do que para as pedras...

O meu despertar como pessoa, foi muito cedo. 

Quando eu tinha os meus 9 anos, comecei  a ler, tudo desde a colecção azul, condessa de Ségur, até aos Almanaques do Patinhas ou do Donald, lia  as bandas  desenhadas do Major Alvega, Silver Surfer, Mascarilha, tudo o que eu arranjava, comprado ou trocado ( dava cinco lidos e trazia um para ler... bom negócio para quem comprava, péssimo para nós, os miúdos que liam ou devoravam). Gastava  boa parte do meu dinheiro em livros e fazia uma série de coisas para ganhar. Desde ajudar com os irmãos, ir às compras, minha mãe era modista, não a tempo inteiro, mas em part-time, já que fazia isso às escondidas de meu pai que não queria que trabalhasse....   ajudava-a nas pequenas coisas que podia,  coser botões, alinhavar, tirar linhas de alinhavo depois de  a peça estar pronta,  rematar as pontas das linhas e chuliar as bainhas, e as  laterais dos tecidos....enfim, (coisas que hoje me são bem úteis) e assim tinha sempre um pecúlio para poder investir no que mais gostava.


Apareceu entretanto, nos arredores da vila onde eu morava, a biblioteca itinerante...e quem supervisionava a carrinha, era uma pessoa que amava a leitura, a cultura. 
Assim, após a conversa da inscrição onde me foi perguntado, o que quer levar para ler ( eram duas semanas até à próxima visita), e eu lá ia respondendo,  quero saber tudo sobre a boa literatura americana, quero ler Hamlet, quero ler Dickens, etc....e assim, enquanto durou esse período, longo, já que foram vários anos, li muito,  tudo o que qualquer ser humano deveria ler para ter  ases para se considerar gente. Mas o melhor viria a seguir. 

Só os livros nos trazem o sonho. Ler é como viajar, sem sair do local onde estamos, sentados, encostados, deitados. 
Depois, já com alguma bagagem, conheci o tal amigo, que me viu com uma sacada de livros, a uma sábado de manhã, quando ele se apeava do comboio vindo lá da Marinha e eu ia comprar o pão que minha mãe me pedira. 
Achou piada  à minha resposta...onde vai e o que vai fazer com todos esses livros. A minha resposta, lê-los, devorá-los, tirar frases para fixar, para recordar mais tarde, sonhar.
Tive a sorte de ter amigos de grande qualidade intelectual e humana, alguns, poucos,  um em particular.

E ali, naquele momento,  arranjei, um grande orientador de leituras. Assim, aos 13 anos estava a ser lançada a Tolstoi,  Fiódor Dostoiévski, Constantin Virgil Gheorghiu .Léon Uris,  Marx...passando por Hemingway, Miller, Steinbeck e tantos outros.

Foi a partir daí que a "mania" de coleccionar  coisas, passou a ser uma qualidade, a de criar a minha própria biblioteca.

Hoje sei que sou diferente da maioria das pessoas, não ligo grandemente a coisas materiais, gosto de ter o quanto baste, nunca tive ambições de riquezas...posso não ter tido grandes felicidades, até mesmo a nível familiar, mas o espanto que apenas um livro transmite, aí eu bato todos os que conheço. 
Nesse ponto, a minha vida foi um deslumbramento.

sábado, 15 de novembro de 2014

that seems to have been written for me alone




One of my writers of election!

Um dos meus escritores de eleição!


"A book may lie dormant for fifty years or for two thousand years in a forgotten corner of a library, only to reveal, upon being opened, the marvels of the abysses that it contains, or the line that seems to have been written for me alone. In this respect the writer is not different from any other human being: whatever we say or do can have far-reaching consequences."



Tradução minha: 

Um livro pode permanecer adormecido por cinquenta ou dois mil anos, num canto esquecido de uma biblioteca. apenas para revelar, depois de aberto, as maravilhas do abismo que contêm, ou aquela linha que parece ter sido escrita expressamente para mim.
E a este respeito, o escritor não é diferente dos outros seres humanos: o que quer que seja que digamos ou façamos, pode ter consequências  muito para além do previsível.

Marguerite Yourcenar, pseudonym for Marguerite Cleenewerck de Crayencour

(1903 - 17 de Dezembro de 1987 (84 anos))
Belgian-born French Novelist and Essayist

Autora de uma dos meus livros de eleição : Memórias de Adriano ( quase uma bíblia para mim).

os seres humanos não nascem para sempre

“Se deixou levar por sua convicção de que os seres humanos não nascem para sempre no dia em que as mães os dão à luz, e sim que a vida os obriga outra vez e muitas vezes a se parirem a si mesmos.” 




(Gabriel García Márquez, em "O amor nos tempos do cólera")

Pior do que uma voz que cala/É um silêncio que fala




Imagem: Via Twitter

Palavras: via Pensador

Simples. Rápido. E quanta força. Imediatamente me veio a cabeça situações em que o silêncio me disse verdades terríveis, pois você sabe, o silêncio não é dado a amenidades.


Um telefone mudo. Um e-mail que não chega. Um encontro onde nenhum dos dois abre a boca. Silêncios que falam sobre desinteresse, esquecimento, recusas. Quantas coisas são ditas na quietude, depois de uma discussão. O perdão não vem, nem um beijo, nem uma gargalhada para acabar com o clima de tensão. Só ele permanece imutável, o silêncio, a ante-sala do fim. 

É mil vezes preferível uma voz que diga coisas que a gente não quer ouvir, pois ao menos as palavras que são ditas indicam uma tentativa de entendimento. Cordas vocais em funcionamento articulam argumentos, expõem suas queixas, jogam limpo. Já o silêncio arquiteta planos que não são compartilhados. Quando nada é dito, nada fica combinado. 

Quantas vezes, numa discussão histérica, ouvimos um dos dois gritar: "diz alguma coisa, diz que não me ama mais, mas não fica aí parado me olhando". É o silêncio de um mandando más notícias para o desespero do outro. 

É claro que há muitas situações em que o silêncio é bem-vindo. Para um cara que trabalha com uma britadeira na rua, o silêncio é um bálsamo. Para a professora de uma creche, o silêncio é um presente. Para os seguranças dos shows do Sepultura, o silêncio é uma megasena. Mesmo no amor, quando a relação é sólida e madura, o silêncio a dois não incomoda, pois é o silêncio da paz. O único silêncio que perturba é aquele que fala. E fala alto. É quando ninguém bate a nossa porta, não há recados na secretária eletrônica e mesmo assim você entende a mensagem.

Martha Medeiros