sábado, 29 de março de 2014

 
 
 
 
 
 
persegue-me à toa. nunca
pares para pensar.

esquece as ruas. os teus
caminhos estão em
mim.

abre os olhos como o postigo
de um pequeno e delicado esconderijo, e
deixa o vento entrar.

recolhe o riso e fragrância terna
das flores na primavera. afasta
os lábios em pétalas vermelhas de
paixão. deixa-me roubar-te esse húmido pólen.

deixa que a sede se
sacie à tona dos teus olhos, onde
pretendo cegar.

desenlaço o corpo do teu e
demoro longo tempo a
perceber os meus contornos, assim
como a estátua demora a
esquecer a forma desfigurada
da pedra que lhe deu origem.

se te alheares, visito-te por
dentro de mim e juro
não acordar enquanto
não vieres pedir desculpa.

fico só, sabendo
que todos os objectos têm a
forma do teu corpo, e
todos os sons se reconduzem
à tua voz. não deambulo
pela casa – excessiva de ti – fujo-lhe
na ausência de movimento e
no desejo de ficar absolutamente
só. lembro-me de como não gostas
de me ver chorar.



valter hugo mãe
 
 
Imagem: Web


Amanheci em cólera. Não, não, o mundo não me agrada. A maioria das pessoas estão mortas e não sabem, ou estão vivas com charlatanismo. E o amor, em vez de dar, exige. E quem gosta de nós quer que sejamos alguma coisa de que eles precisam. Mentir dá remorso. E não mentir é um dom que o mundo não merece...



Clarice Lispector






Imagem: Web

quinta-feira, 27 de março de 2014

Uma permanente e incessante busca de mim própria



Escrevi este texto em 2011, tinha o blog há pouco tempo e hoje sinto igual. O que faz de nós,  seres de solidão?
Já alguma vez se sentiram sós, absolutamente sós, numa casa cheia de gente e barulho? 
Eu sim, muitas vezes.

Tal como se viajássemos num comboio de longo curso, sem conhecermos ninguém que connosco viaja e durante dias lá vamos seguindo viagem, isolados, dentro de nós próprios. 

Ninguém fala a nossa língua, ninguém nos fala, é como se fossemos transparentes. 
Ninguém nos entende ou olha sequer para nós, e se o faz, é de soslaio, como se não existíssemos, como se fossemos nada. Nepia! 
E continuamos isolados, mas não estamos sozinhos de nós, estamos sozinhos connosco, conversamos, fazemos juízos de valores, olhamos, apreciamos, admiramos, tudo dentro de nós.


Viver? Mas onde, com quem, afinal quem somos, ninguém à nossa volta nos conhece nem o que fazemos ou para onde vamos... e de repente algo acontece, alguém liga a TV, ou um CD começa a tocar, uma porta bate e abrimos os olhos e reparamos que estamos numa sala, entre gente que conversa, miúdos que correm, abandonados dentro do nosso eu, desejosos de sair dali, nem sabermos bem o que ali fazemos. 


Ninguém nos diz nada, nada tem valor, é tudo um faz de conta sem medida. Uma pretensão de vida. E queremos fugir, partir sem destino, procurar a outra metade, procurar a vida. 


Há como que uma dualidade em nós...parece que estamos "fora do nosso corpo", como se fossemos simultâneamente observadores e observados, médico e cobaia... e num sopro de tempo, não sabemos o que fazer connosco.



Estou nostálgica da minha juventude,  da vida, mas sinceramente não posso mentir, não tenho saudades ou nostalgia  de mais nada. 
É de mim e do tempo que vivi que tenho nostalgia.

Quando tomamos consciência da nossa "solidão", sabemos da pessoa que somos e fomos, existimos!! 

E eu,  estou só, perdida em mim!

segunda-feira, 24 de março de 2014

O acto de renascer



"Quando você viaja, está experimentando de uma maneira muito prática o acto de renascer.

Está diante de situações completamente novas, o dia passa mais devagar e na maior parte das vezes você não compreende a língua que as pessoas estão falando.

Exatamente como uma criança que acabou de sair do ventre materno.

Com isto, você passa a dar muito mais importância às coisas que te cercam, porque delas depende a sua própria sobrevivência. Passa a ser mais acessível às pessoas, porque elas poderão ajudá-lo em situações difíceis. E recebe qualquer pequeno favor dos deuses com uma grande alegria, como se aquilo fosse um episódio para ser lembrado pelo resto da vida.

Ao mesmo tempo, como todas as coisas são novas, você enxerga apenas a beleza delas, e fica mais feliz em estar vivo."

Paulo Coelho, in O diário de um Mago

quinta-feira, 13 de março de 2014

Os amigos


Voltar ali onde 
A verde rebentação da vaga 
A espuma o nevoeiro o horizonte a praia 
Guardam intacta a impetuosa 
Juventude antiga - 
Mas como sem os amigos 
Sem a partilha o abraço a comunhão 
Respirar o cheiro a alga da maresia 
E colher a estrela do mar em minha mão 

Sophia de Mello Breyner Andresen in Musa
Foto : minha

Há sem dúvida.....


Há sem dúvida quem ame o infinito,
Há sem dúvida quem deseje o impossível
Há sem duvida quem não queria nada -
Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles:
Porque eu amo infinitamente o finito,
Porque eu desejo impossivelmente o possível,
Porque eu quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser,
Ou até se não puder ser...

Álvaro De Campos (heterónimo de Fernando Pessoa)

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Imagem ; Black and white Pictures, via Google

terça-feira, 11 de março de 2014

vou deitar-me outra vez no meu lugar e deixar o teu à espera

...

assim, hoje ao acordar fiquei aterrado ao ver que de noite me rolara para o meio da cama. deitei-me como sempre do meu lado, para deixar livre o teu no caso de resolveres voltar e te deitares nele. mas o sono levou-me para o sítio que é o bom e fica à minha esquerda. porque é que eu me passei para o meio da cama? e só acho uma como resposta o teres morrido para sempre. e fiquei horrorizado da minha libertação. não vás ainda. volta de novo. vou deitar-me outra vez no meu lugar e deixar o teu à espera. vem de noite sem eu dar conta e acordar contigo ainda no teu sono e tocar-te e seres tu.
 

Vergílio Ferreira

quinta-feira, 6 de março de 2014

Somos mesmo poços de controvérsia.



Somos mesmo poços de controvérsia. 


Hoje o dia está lindo, um céu azul de  fazer inveja ao azul do mar, o sol brilha, não há vento, a temperatura  muito próxima dos 17/18 º graus C  e parece que vai subir até aos 20ºC...e eu acordei  mal. 
Geralmente durmo 5 a 6 horas. Quando deitei estava a sentir-me extremamente cansada, e continuo cansada! 
Um cansaço estranho, que permanece mesmo  depois de ter dormido mais de sete horas....creio até que estou pior.

Infelizmente quando vamos para mais "idosos",  e pensamos em nós, da mesma maneira que antes, quando éramos bem mais jovens, confrontamos-nos com as nossas pequenas maleitas, as costas, os ossos, a fibromialgia, a rinite que ataca mais  se  a floração primaveril se faz fora da janela, e as dores, que aparecem no corpo e se propagam à alma. 
Hoje, apesar de um lindo dia, eu sinto-me cansada e não triste, porque é impossível estar triste com este esplendor de dia, depois de tão longo inverno, chuvoso e frio, cinzento. 
Creio que é mesmo por isso, não existiu aquela transição, um dia chove, venta, faz frio, e hoje este esplendor, que o meu corpo já não acompanha...não que eu seja velha, mas sou tudo menos tola, sei as limitações que temos quando avançamos na idade e como ser sensível, sinto-as de forma terrível.

Acredito hoje, que o envelhecimento é  no corpo, a cabeça essa é sempre muito mais jovem, e as nossas recordações, são elas que nos fazem sofrer. Porque ficam registadas como facto vivido,  que hoje não mais podemos acompanhar...

Mary